21 de março de 2013

Altruísmo Recíproco

Na última semana, uma mulher de 80 anos chegou ao consultório com uma questão que a estava deixando consternada. Um dos membros da igreja onde frequenta repreendeu-a dizendo que ela só fazia o bem para o outro porque queria retribuição. Após chorar, ela me disse que nunca havia pensado daquela maneira, ela não era falsa nem tampouco mesquinha. Entretanto, ela mantinha uma dúvida angustiante: “Será que eu realmente quero retribuição caso um dia venha precisar?”.


Somos seres gregários e precisamos dos outros para ter vantagem evolutiva. Os sentimentos humanos, na verdade, são desenhados evolutivamente. Desde que o humano é humano, a sua tendência é a sobrevivência. Isso é um instinto básico. Somos moldados por ele. Nossa consciência só cria as histórias, a maior parte das vezes repletas com enredos românticos.   

Oferecer ajuda aos outros para que sejam ocasionalmente retribuídos é o que podemos chamar de “altruísmo recíproco”. Esse termo foi cunhado pelo biólogo evolucionista, Robert Trivers. Ele propôs que a motivação para agir com clemência em relação aos outros com os quais não compartilhamos nenhum gene está na capacidade de adaptação, pois existe uma boa chance de que, em algum momento no futuro, esses outros retribuam a nossa benevolência. É assim que uma sociedade sobrevive, porque é dessa maneira que ela consegue ter vantagem evolutiva.

Antes de Trivers, Charles Darwin (1809-1883) também já propunha em seu livro, “A descendência do homem, e seleção em relação ao sexo”, que à medida que a capacidade de raciocínio e previsão se aperfeiçoa os homens não tardam a aprender por experiência que se ajudarem seus iguais, normalmente receberão ajuda em retribuição.

Portanto, esse é um argumento antigo. É interessante pensar que a cobrança da colega de igreja da senhora esteja fundamentada numa ilusão de que as pessoas devem fazer ações incondicionais. Isso é uma mera ideia, porque na prática não é bem assim que acontece. Agimos benevolentemente sem que tenhamos consciência de que no fundo queremos algo em troca, queremos proteção. É muito fácil dizer que nossas ações são puras, para parecermos bons, principalmente quando não estamos precisando dos outros. Porém, ao fazermos algo bom para o próximo, esperamos sim, uma retribuição, nem que seja um simples agradecimento.

Por isso, não raro, escutamos as pessoas reclamando:
·     Fiz tudo por ele e, quando precisei, ele nem me procurou para perguntar se eu queria alguma coisa;
·         Depois de tanto trabalho, ela não me disse nada;
·         Fui ao enterro do pai dele e agora ele nem apareceu no enterro da minha mãe;
·         Fiz tudo o que podia para ajudar aquela família e eles nem me agradeceram;
·         Eu fiz porque quis fazer, mas ela poderia ter pelo menos um gesto de gentileza;

Quando alguém reclama é porque quer algo em troca. Vivemos pela permuta social. Isso é natural. O que não é natural é a incondicionalidade do gesto. Porque juntos construímos uma sociedade. As formigas fazem o mesmo, e são bastante organizadas.

Eu tive um vizinho que certa vez ficou furioso por ter dado comida a um mendigo e ele a recusou porque não gostava de feijão. Nunca mais esqueci as palavras dele: “Ele não tem nada e ainda quer escolher. Devia dar graças a Deus por conseguir alguém para lhe oferecer comida.”.

Hoje entendo a chateação dele. O que ele queria era agradecimento, ser correspondido, e, talvez, ser visto pelos outros como o bom samaritano. Como ele acreditava que um mendigo não podia ter escolhas, ficou revoltado. Se perguntassem a ele se o seu ato fora solidário, ele certamente responderia afirmativamente.

Evidentemente que o nosso ego se regozija com agradecimentos. Mas, o que queremos mesmo é contar com a ajuda dos outros caso precisemos. O importante é ter em mente que as expectativas com relação às ações alheias, sempre será um risco a frustrações. 



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